segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A Casa dos Horrores

O quarto que aluguei foi-me recomendado pela faculdade onde vim estudar. Os belgas têm fama de ser gente civilizada. E a escola recomendava-me vivamente que eu viesse para Hasselt já com casa. Três razões que me levaram a fazer algo que todos sabem que não deve ser feito: dar dinheiro por uma casa sem antes ver como ela é.

O Sr. Trudo, o senhorio, chegou 15 minutos atrasado. Eu estranhei, porque dizem que as pessoas dos países frios chegam a horas a todo o lado. Deve ser por andarem a correr, a ver se não congelam... Enfim, mas quando o Sr. Trudo apareceu já eu tinha tocado à campainha. Apareceu-me um rapaz de barba mal feita (e não, não era a charmosa de três dias) assim com ar de quem não estava à espera de que lhe batessem à porta. Não falámos por muito tempo, porque entretanto chegou o senhorio e o tal rapaz desapareceu na escuridão de um quarto que ficava lá ao fundo. Encolhi os ombros e pensei que talvez fosse um inadaptado social. Foi quando ouvi choro de bebés. Sim, porque aquilo não era só um bebé! E os putos berravam a plenos pulmões. Eu olhei muito confusa para o Sr. Trudo. Ele tinha-me dito que ali só viviam estudantes, mas eu ouvia crianças que ainda não tinham idade para andar na escola. Enfim, lá fiz uma piada sobre bebés barulhentos e subi as escadas para ver o meu quarto.

Enquanto percorria o corredor pensei para comigo mesma: "Toca a cancelar os convites que fiz para me visitarem na Bélgica, não tenho coragem de trazer ninguém aqui". Sim, isto passou-me pela cabeça, mas na altura calei a voz da razão que me gritava para voltar para trás e fugir a sete pés.

Estava eu quase a chegar à porta do quarto e passa um "negão" enorme à minha frente. Mas tipo, enorme! E ia com uma daquelas t'shirts sem mangas, que, outrora, tinha sido branca. Olhem, eu sou meio preta, por isso não estão questões raciais em cima da mesa. Era mais o facto de ele ser enorme, aquela t'shirt mal amanhada e a possbilidade de ter de partilhar a casa de banho com aquele senhor. Sim, ele já ia nos trinta, com certeza. O Trudo garantiu-me que ele era estudante e eu acredito. Mas quando pensamos em Erasmus imaginamos gente da nossa idade, gente com quem queremos sair e apanhar bebedeiras. E não era o caso. Segui-o com o olhar: levava nas mão uma tigela suja e dirigiu-se para uma divisão que deveria ser a cozinha. Só vi por uma frestinha, mas tive de me controlar para não me benzer. Nisto já eu tinha lançado um olhar de pânico à minha mãe, um olhar que dizia "a primeira coisa que farei com o meu futuro salário será pagar a despesa que tiveste, mas, por favor, nem que eu volte para Lisboa, não me deixes ficar aqui".

Eu sou uma princesa. É verdade, não tenho vergonha de o admitir. Fui tratada como uma durante toda a vida e não saí do meu cantinho confortável em Portugal para me vir meter numa pocilga. Sim, porque a história continua.

Fui ver o quarto. Não estava mal de todo. Mobília nova misturada com mobília velha (e não, não era do estilo avant-garde com vintage), mas nada grave. Achei piada foi quando o Sr. Trudo foi abrir a janela para exibir "a vista maravilhosa para o jardim". Quer dizer, agora acho piada, na altura tremiam-me as pernas! Tinha um belo de um muro à frente, isso é verdade.

O senhorio já estava a puxar do contrato e eu, com voz trémula, detive-o: "Wait, I want to see the kitchen and the bathroom". E foi aí que o feeling que eu tivera se revelou acertado.
A cozinha cheirava mal. Louça suja por todo o lado, gordura entranhada nos lugares mais improváveis, pilhas e pilhas de louça suja! Eu já vi muitas cozinhas desarrumadas e bastante gordurosas. Mas aquela tinha um cheiro que ainda me está a dar voltas ao estômago! Mas seu achava que a cozinha fedia, era porque ainda não tinha visto a casa de banho. Ou cheirado. Esgoto. Esgoto puro. E eu só pensava que tinha de dividir aquela divisão com o senhor da t'shirt emporcalhada!

Já tinha visto o suficiente. O tal do Trudo (que tinha sebo no cabelo, já agora), ainda me queria mostrar a máquina de lavar roupa, mas eu disse que não era preciso. Li nos olhos da minha mãe que ela nunca iria deixar-me ali. Ainda me tentou convencer, o Trudo. Disse que viviam mais dois rapazes belgas no andar de cima. Rapazes que iam a casa todos os fins-de semana.

Saldo: (2 marmanjos + 2 rapazes com quem não ia desenvolver qualquer espécie de relação + 2 bebés) x imundice = 400 euros que não sei se vão ser recuperados.


Amanhã vou ver um quarto às oito e meia da manhã. Wish me luck!

Finalmente, Hasselt!


Aqui faz frio p'ra caralho. Não tenho outra forma de dizer isto. Tenho a cara a pelar por causa do frio, coisa que eu julgava só acontecer com exposição prolongada ao Sol. Ai, o Sol! Não é que aqui não haja, mas parece que está estragado porque não aquece coisa alguma!

Em Bruxelas estava mais quentinho (ok, menos frio), apesar de ter passado uma hora inteirinha a enregelar na estação. No tempo em que fiquei à espera do comboio que me levaria a Hasselt, ia fazendo uns sudoku de um livro que levava na mala. A minha mãe foi à procura de um multibanco e eu fiquei ali sentada, a guardar a bagagem. Nisto chega um rapazinho novo, bom aspecto, sorrisinho engraçado, a solicitar informações sobre um tal de argent, que, se bem me lembro, é dinheiro em francês. Foi aí que chegou a minha mãe e correu com o pobre rapaz em dois tempos! Deste tive pena, que era simpático e só queria uma informação. Daquele que encontrei quando fui à procura de um elevador é que... Bem, digamos que queria eu que a minha mamã estivesse lá nesta altura. Tinha manchas de vinho na camisola branca e as unhas tinham o aspecto de quem se esquecia de lavar as mãos com regularidade. Livrei-me dele como pude e fui a correr para a plataforma pelas escadas rolantes - o elevador tresandava a fluídos humanos. É verdade, pelos vistos não é só em Portugal que se faz xixi na rua! Se bem que aqui só cheirei, não vi propriamente. E na estação do Campo Grande vi, mas isso é uma história diferente.

Mal cheguei à plataforma, mais atenção masculina, acompanhada de um "Ça va?" sonoro. E lá fui eu, a correr para as saias da mãe, de onde não deveria ter saído.

Enfim, uma hora e meia depois estava em Hasselt.
Cidadezinha simpática! No centro encontrei uma H&M, o que me deixou imensamente feliz. Até caíram uns flocos de neve assim ralinhos! Para mim, que nunca vi neve, foi uma alegria!

Fiquei uns dias no hotel, a fazer tempo para conhecer o meu lar doce lar... Julgava eu! A coisa, afinal, saiu bem amarga...

domingo, 30 de janeiro de 2011

De Lisboa para Bruxelas

Morro de medo de andar de avião. Seis dias antes da viagem, já eu sonhava com turbulências e máscaras de oxigénio a cair do tecto. Por isto (e por outras razões)até deu jeito que a minha mãe tenha resolvido vir comigo.

Foi a tentar não pensar nisso que lá me arrastei para o aeroporto às seis da manhã, depois de dois dias sem ir à cama. Uma dica: se vais de Erasmus, não guardes as malas para a véspera, nem que tenhas exame de Semiologia. Ou então certifica-te de que poderás dormir horas a fio quando chegares ao destino. Antes de embarcar já eu sabia que a minha mãe tinha falado com uma amiga que vive em Bruxelas. Mas não é uma amiga qualquer... É uma amiga que é embaixadora de Angola, pelo que goza de muitos privilégios. Um deles é o motorista que nos iria levar directamente, a mim e à minha mãe, do aeroporto para o hotel. Portanto, o descanso era garantido!

Despedidas, beijinhos e uma choradeira desenfreada! Da minha parte, claro... Foi quando disse adeus ao gato, quando disse adeus ao namorado, quando disse adeus aos dois irmãos (que não são de sangue) e quando disse adeus ao pai.

Lá atravessei o aeroporto e cheguei à porta 26. Fui pela manga e parei em frente à entrada do avião, para me certificar de que entrava com o pé direito. "Está nervosa?", perguntou o Comandante. "Não esteja, que é uma sortuda, até traz aí um coração!" E trazia... Um coração que uns amiguinhos muito queridos me deram e que eu fiz questão de levar ao meu lado durante a viagem. Para a tripulação fiquei conhecida como a menina do coração.

A viagem correu bem. Acalmei definitivamente quando trouxeram a comida. Por pior que seja, há uma magia qualquer em torno da comida do avião. Não sei o que é, mas ela alegra-me! Acho que me distrai dos muitos pés de altitude.

No aeroporto de Bruxelas, lá estava o Sr. João, o motorista, à nossa espera. E depois de uma tarde a dormir, levou-nos para casa da Sra. Embaixadora Amiga da Minha Mãe. Isto de ser embaixador deve ser muito bom, porque temos motoristas, casas grandes e cozinheiras fabulosas que fazem um bolo de chocolate do outro mundo. Ficou o convite para regressar lá a casa quando passar por Bruxelas outra vez. E assim o farei! A cidade merece ser vista em condições e eu só lá estive de passagem - o átomo só o vi ao longe. No dia seguinte apanhei o comboio e fui para Hasselt, uma zona em que, em vez do melódico francês, se ouve uma qualquer língua de cão que eu sou incapaz de descodificar!

O início

Quando cheguei ao fim do terceiro ao ano do curso de Jornalismo e percebi que tinha dois cadeirões pendurados - Semiologia e Análise Económica, está claro - pensei que tinha de fazer o possível e o impossível para passar.

Mas havia uma ideia que sempre me passara pela cabeça: fazer Erasmus num quarto ano da faculdade. Num quarto ano eu já não teria obrigações para com a Associação de Estudantes. Num quarto ano já teria ido a semanas de Praxe suficientes. Num quarto ano já teria passado tanto tempo na ESCS que o enjoo natural de quem passa tanto tempo num barco seria mais que suficiente para me levar a fazer as malas para longe.

Acabei por não ir para tão longe assim. A Bélgica é já ao lado de Portugal, a cerca de duas horinhas de avião. E porquê Hasselt? A faculdade tem programas para alunos Erasmus em inglês e a cidade é simpática, acolhedora e cheia de vida. Pelo menos foi o que me disseram e eu acreditei.

Resta-me viver os próximos meses ao máximo e verificar por mim própria a veracidade da informação. Este blog serve para que, aqueles que assim o desejarem, possam acompanhar-me nesta viagem, que eu espero que seja fantástica! Nem que seja para eu ter coisas interessantes que possa contar aqui. ^^