quinta-feira, 31 de março de 2011

Alunos em fuga

Acordei às oito e meia da manhã sem saber muito bem a que horas seria a minha aula. O horário mudou esta Segunda-feira e eu ainda estou um bocadinho confusa. Mandei uma mensagem a uma das espanholas e a resposta não podia ter sido pior: às nove. Muito bem, meia hora para me vestir e tomar o pequeno-almoço. Não sei porquê, desde que vim para aqui sou incapaz de sair de casa sem o tomar. A minha mãe é que vai ficar muito contente com este hábito recém-adquirido! Enfim, lá devorei o mais depressa que consegui a mistura de corn flakes, iogurte natural e bocadinhos de maçã e voei para a faculdade. Já lá estavam a Paula e o Xino. Ficámos os três à espera do Professor até às 09h15. A Paula espreitou pela janela e viu-o a atravessar o parque de estacionamento. Nesta altura, eu, que estava toda encolhida num canto, a dormir encostada ao aquecedor, disse com voz de sono: "We should run!" Qual não é o meu espanto quando a Paula e o Xino desatam a  correr pelas escadas de serviço! E lá me levantei e fui atrás deles. Voltei a casa e dormi até à uma da tarde. Quero frisar que não é sempre assim. Aquela aula é muito maçadora e ainda ninguém percebeu muito bem o que estamos lá a fazer. Aquilo chama-se Current Affairs e era suposto falarmos sobre o que se passa no mundo, mas só falamos da Bélgica e da sua falta de governo! Pronto, foi uma vez sem exemplo, e eu estava mesmo a precisar de dormir!

sábado, 26 de março de 2011

O Ginásio

Quando para aqui vim, já trazia a ideia de que deveria aproveitar este tempo para me dedicar exclusivamente a mim mesma. Estava mais preocupada com questões do espírito e com resoluções face a um futuro próximo que me vai atirar para o mercado de trabalho, mas já vinha com vontade de procurar um ginásio. Durante séculos prometi a mim mesma que agora é que era, que ia transformar algum deste bom bocado de perna em músculo, para continuar a ser bom mas mais rijinho. O agora demorou a chegar, mas chegou. Isto de ter tempo livre e de viver numa cidade pequena onde o ginásio é a cinco minutos, muda tudo! E o facto de pagar 25 euros por mês - em Lisboa, o mais barato que consegui foram 50 - também ajuda muito!

É francamente divertido. Aqui da residência somos para aí nove inscritos,  portanto há sempre alguém que arrasta o outro para o ginásio quando a preguiça parece prestes a vencer. No princípio ia para as máquinas:  alinhávamo-nos todos nas passadeiras e era ver-nos correr durante meia hora. bem, na verdade, eu era mais a andar depressa. Correr não é a minha cena, que me dá dor de burro. Passava mais tempo nos abdominais e nos agachamentos. Depois descobri as aulas. Comecei por ir às de Zumba. A Zumba é uma espécie de aeróbica em que se misturam passos de mambo, salsa e essas coisas latinas. Uma pessoa farta-se de saltar e de abanar as ancas... Quem as consegue abanar, claro. É sempre divertido ver as belgas a tentar! A mim a professora veio perguntar-me se eu já tinha dançado antes. Eu sabia que os anos de ballet, dança criativa, hip hop e danças de salão ainda iam servir para alguma coisa. Bem, a verdade é que o facto de ela vir falar comigo serviu para me motivar e a experimentar mais aulas. Existe o Sh'bam, que é também uma dança toda acelerada, em que uma pessoa salta muito e abana os músculos todos. Cansa para burro! Mas é capaz de ser a mais divertida, seguida de perto pela tal de Zumba. Depois resolvi experimentar o Body Pump. Não sabia muito bem ao que ia e assustei-me quando vi o pessoal a tirar barras e pesos e steps e colchões. Uma montanha de apetrechos! A professora lá pôs a tocar o Telephone da Lady Gaga e dei por mim a levantar e a baixar uma barra de quatro quilos. A meio troquei para dois, porque achei os meus braços se iam desfazer em papa se eu continuasse por muito mais tempo. E como se não chegasse, a senhora ainda nos pôs a fazer flexões. E eu que nem uma conseguia fazer, depois de três aulas de Body Pump já sou capaz de fazer três. É uma grande conquista! Sim, eu sou masoquista e voltei às aulas de Body Pump. Sempre que saio de lá venho a arrastar-me para casa e acabo completamente imóvel em cima da cama. Também experimentei o Step, mas para mim aquilo é muito confuso e não atino com os passos. Se bem que apreciei o exercício abdominal a que somo submetidos lá mais para o fim da aula.

No ginásio também descobri a Sauna. Mas meter-me numa sala fechada onde está muito, muito calor e onde as belgas se põem todas nuas e escancaradas, não é muito a minha cena. Por acaso foi giro de ver: eu e as espanholas todas num cantinho embrulhadas em toalhas e uma senhora dos seus cinquenta e muitos ali toda nua a ocupar o mesmo espaço que eu e três das minhas amigas ocupávamos.

Resumindo e concluindo, tenho ido cinco dias por semana ao ginásio. Se não servir para eu ir exibir o melhor corpo de biquíni de sempre no Verão em Portugal, pelo menos já serviu para me divertir e para me sentir com mais energia. E sempre dá para controlar os estragos que o Erasmus pode fazer. É que para além das waffles e batatas fritas, existem as massas do Italiano, o chocolate que há sempre alguém que me oferece, as tortilhas espanholas e as pizzas para quando não apetece cozinhar. Ontem, por acaso, jantei salada. Mas já compensei devidamente com o meio pacote de bolachas que comi esta manhã.

terça-feira, 22 de março de 2011

Três dias em Estocolmo



No dia 3 deste mês fui a Estocolmo. Fui convencida pelos meus amiguinhos daqui com uma viagem de oito euros, ida e volta, e a promessa de que teria alguém a segurar a minha mão durante o voo, porque eu borro-me de medo dos aviões! Na véspera estávamos todos descansadinhos a almoçar - às quatro da tarde e ainda em pijama - quando entra a Virginia pela cozinha dentro com uma expressão de pânico no rosto. "Amanhã há greve dos comboios, temos de ir ainda hoje para o aeroporto e passar lá a noite", disse ela. E pronto, foi uma correria. Oito macacos a meter roupa para dentro das malas, a despachar trabalhos que tinham de ser entregues antes do fim-de-semana e a fazer sandes para a noite, que se adivinhava longa.

Chegámos ao aeroporto e ainda eram onze da noite. A viagem estava marcada para as nove e meia da manhã e, como tal, arranjámo-nos como pudemos par ficarmos minimamente confortáveis. Perto da meia-noite os rapazes italianos, o Alessandro e o Giacomo, chamaram-me discretamente. "O que foi?", perguntei. E mostraram-me uma garrafa de champanhe. "É para os anos do Xabi, que são amanhã... Distrai-o!" E lá levei o Xabi à máquina de café, para investigar que bebidas para lá havia. Dez minutos depois fomos rodeados pelos outros e eu acabei por levar um banho de champanhe por solidariedade para com o aniversariante... E afinal não era uma, mas quatro garrafas. Portanto, pobres, a dormir no chão do aeroporto,  mas com champanhe.

Já perto da hora de embarque alinhámo-nos todos na fila para mostrar o nosso bilhete de identidade. A Marina procurava, procurava e não encontrava e, já perto das lágrimas, disse que o tinha deixado no bolso das calças do dia anterior. Nos tentámos tudo: fomos à Polícia dizer que alguém tinha roubado a carteira - e pusemos os guardas a ver as camaras de vigilância - fomos ao balcão da Ryanair, propusemos ir até à embaixada espanhola para arranjar identificação provisória... Mas nada! A Marina ficou mesmo em terra e eu nesta altura já só queria ficar com ela. Lá tiveram de me convencer a embarcar outra vez e, quando me sentei no avião, tinha mais gente a querer dar-me a mão do que mãos para lhes dar!
Quando chegámos a Estocolmo fui surpreendida pela neve. Sim, já me tinham dito que, muito provavelmente, ia encontrá-la, mas nunca pensei que fosse naquela quantidade! Eu nunca tinha visto neve na vida e para mim os primeiros cinco minutos foram muito lindos, depois confesso que fiquei enjoada. Ora bem, a neve pode ser muito branquinha e muito bonita, mas tem um inconveniente: para nevar é preciso estar muito frio. Muito, muito frio! E eu tinha uma tshirt, duas camisolas e um colete. E o casaco gigante e feio que dói por cima. Mas eu queria lá saber de modas! Ainda enfiei um gorro, umas leggings, calças e dois pares de meias daquelas de lã, muito grossas. À minha volta os suecos andavam a dizer que estava muito calor e que parecia quase Verão. Eu acho que aquela gente não sabe viver. Vi montes de indivíduos quietos, cara voltada para o Sol e olhos fechados, a aproveitar o "calorzinho". Era como se estivessem na praia, mas cheios de cachecóis e luvas e afins. Enquanto isso comiam gelados e eu desesperada por uma bebida quente. Outra coisa chata dos países frios é o gelo no chão. De que serve não ter na Suécia a calçada portuguesa que não deixa andar de saltos, se temos uma fina camada de perigo iminente? A minha derrière não aprovou. Andei dorida por três dias!

Mas sim, é tudo muito bonito. Eu no fim até disse que era giro ir para uma casinha de praia com uns trinta graus lá fora e ter postais da Suécia pendurados na parede. Aquelas paisagens davam postais mesmo giros! E lá na Suécia têm cidra, aquela espécie de cerveja com sabor a pêssego, frutos vermelhos, pêra... Eu gostei muito e estava a beber muito entusiasmada até perceber que cada uma tinha 10% de álcool. Não teve importância, ao fim de quattro já nada me deixava muito aborrecida.

Enfim, Estocolmo é, de facto, uma cidade muito bonita. Não a achei muito prática, mas deve ser uma questão de hábito porque vi lá uma rapariga com uns saltos enormes e também vi um homem a correr (o que me fez ter vergonha de parecer uma pata choca a andar na rua). Gostava de a ver no Verão porque me disseram que é tudo muito verdinho, mas não é este ano, de certeza! Depois de tantos dias na arca frigorífica, em Julho vou mas é para a praia e para os quarenta graus à sombra, que lá é que se está bem!



quarta-feira, 16 de março de 2011

A vizinha do lado

Não conheço quem não tenha um vizinho com um parafuso a menos.
O de uma amiga minha atirou-se da janela. O de um amigo meu fazia todos os dias sessões dignas de uma canal para adultos. E o meu, lá de Lisboa, foi oferecer um livro de sadomasoquismo à minha mãe porque ela foi muito boa médica. Um livro escrito por ele! Ora bem, esse vizinho gosta de me dar beijos repenicados quando me vê e, como é jornalista, gosta de me convidar para um ou outro trabalho - que, regra geral, envolvem algum escândalo relacionado com prostituição. É bom senhor, coitado,  mas eu, antes de sair de casa, verifico sempre se ele está no meu caminho. É que, às vezes, não apetece mesmo nada estar ali a fazer sala no meio do hall do prédio!

Mas quando vim aqui para as Bélgicas, já sabia que ia continuar a ter vizinhos. E isso assustava-me um bocadinho, confesso. Também, com as histórias que para aí se ouvem, não admira nada! Quem não conhece o caso da Amanda Knox, a rapariga com cara de anjo acusada de estar envolvida na morte da colega de casa, após uma série de joguinhos sexuais? E, diga-se de passagem, eu aqui moro no ground zero, aquele em que uma pessoa acorda assustada no meio da noite porque os bêbedos estão a bater à janela...Portanto, tranco-me toda e nunca, em caso algum, abro as cortinas.

Um dia destes estava eu a dormir descansadinha da vida, quando, por volta das dez da manhã, alguém bate à minha porta. Dez da manhã já é uma hora normal de se acordar, então levantei-me, meio a custo, e abri a porta. Era uma rapariga gira que eu já tinha visto andar por ali. Trazia os olhos vermelhos e uma expressão carregada. " Eu não queria incomodar... E se calhar vais achar-me maluca por isto, mas tenho de te perguntar: viste o meu namorado, aquele rapaz com quem estava ontem, com outra rapariga?" Amaldiçoei o momento em que me levantei para abrir a porta. Não, não tinha visto. E numa tentativa de mostrar empatia lá convidei a moça para entrar e sentar-se um bocadinho. Maldita a hora em que o fiz...

Ora vamos lá ver como é que se resume isto!
A rapariga é do Ruanda. Veio para cá estudar e tem um nível de inglês que sim, senhora! Deu-me luta, e aqui ainda não tinha encontrado ninguém que o fizesse - não porque sou muito boa, eles é que são muito maus. Tem dezanove anos e já teve uma mão cheia de namorados. O primeiro foi reles, meio a brincar, meio a sério. O segundo era branco  e, segundo ela, os brancos não prestam porque são muito morninhos e maus na cama. "Ele chamava-me de princesa! Eu não sou uma princesa, eu tenho uma vida dura!", queixava-se ela... Depois veio o preto. Segundo ela os pretos são bons na cama, mas um pouco agressivos. "Se te batem estás lixada!", disse-me ela. E lá sabia do que falava. O primeiro preto que namorou não, que era um amor, mas o segundo fez-lhe a vida negra. E o olho e o braço e o nariz e a perna e mais qualquer coisinha lá para o meio. Depois de lhe dar porrada da primeira vez, voltou com um taco de basebol. Como ela não lhe abriu a porta, ele esticou-se em frente à casa dela, à espera de que um carro lhe passasse por cima. Não passou. Ao que parece aquela rua era meio parada. Acho que o rapaz não voltou a dar sinais de vida, mas não tenho a certeza. Ela saltou directamente para o Marroquino, que é o namorado actual, o tal que ela temia estar a pular a cerca. "Eu acho que ele tem medo de mim", disse ela. "Eu bato-lhe com os tacões dos saltos". Pois, eu compreendo o rapaz, a partir daquele momento eu também fiquei com medo. "Ele é meio atrasado! Eu discuto com ele e faço birra e ele, o que é que faz? Leva-me para hotéis! Eu digo que não estou bem e ele saca dos cartões de crédito. É para os hotéis e para as compras! Basta eu ligar e ele vem a correr!" E eu que tinha começado aquela conversa com um "tens de largar esse rapaz", nesta altura já estava a pensar "foge, rapaz, foge!" E não sei porque raio ela me veio perguntar se eu tinha visto o namorado com outra rapariga, se foi ela quem acabou por me confessar que faltava ao Marroquino alguma coisa nas partes baixas - encontrou-a com outros rapazes por diversas vezes e continuou a deixar o cartãozinho de crédito à disposição de sua excelência.
Enfim, lá acabei por despachar a menina... Ao fim de hora e meia, não sei se por ser parva, se por ter ficado petrificada com a história dela! Dias depois conheci o Said, o namorado corno. Pediu-me o facebook e disse que o meu cabelo era lindo. Fugi a sete pés. Eu cá não quero confusões com a maluca da vizinha.

Guess who's back

Depois de passeios em Estocolmo e de soprar vinte e três velinhas em Lisboa (foram só duas, mas isso não interessa nada), estou de volta com histórias e novidades!

Obrigada a todos aqueles que foram aparecendo por aqui, em busca de algum pedacinho de texto.